Soe-Malu” e “Indissolubilidade” no matrimonio barlaqueado: Reflexão para uma inculturação
Martinho G. da Silva Gusmão Departamento de Filosofia - Instituto Superior de Filosofia e de Teologia Dom Jaime Garcia Goulart (Departamento de Filosofia-ISFIT)
Matilda Maria de Fátima Mártires
Na questão “Hari’i Uma Ka’in” (edificar, construir a família) distinguem-se no meio autóctone três situações relativas à união entre homem e mulher: [1] o “hafoli” (“halo folin”: valorizar, dignificar); [2] “hafen” (“hola fen”: tomar a mulher) ligado à mancebia; e [3] “habani” uma linha bilinear na origem de tetum-terik em que se dizia que, “lia nosi mane nian sira rua ba nobun, lia nosi feto nian sira rua ba nobun” – os dois têm o mesmo direito para as riquezas e as gerações. Esta “terceira via” é a mais praticada na sociedade de Timor.
Mas a alegria do amor é acompanhada por numerosas crises, onde se destaca sobretudo “soe-malu” (divórcio) e “husik-malu” (separação). No sistema “barlaki”, o divórcio ou separação é impossível, dado que o matrimónio em si não só constitui um contrato entre dois indivíduos de sexos opostos, homem e mulher, mas também, sobretudo, um “contrato social” entre duas clãs, envolvendo “feto-san” (casa do marido) e “umane” (casa da mulher), e até uma nova interação entre duas “uma lulik” (duas casas sagradas). Deste modo, “soe malu” (divórcio) originaria uma desarmonização entre ambas feto-san e umane, e consequentemente impossibilitaria a reatação do matrimónio para outros pares futuros (futuro “barlaque’). Neste sentido, o matrimonio barlaqueado é “indissolúvel”, na linguagem da Igreja católica.
Por outro lado, se se encarar o divórcio como quase impossível, a poligamia seria um processo normal no modo de pensar dos timorenses. É mais fácil, segundo a conceção dos timorenses, aceitar uma poligamia do que cometer um divórcio ou separação. Neste caso, obviamente, se constata a diferença entre o matrimónio barlaqueado e o matrimonio sacramental (cristão).
E é interessante observar o novo pensamento da Igreja católica que diz que, “em cada país ou região, é possível buscar soluções mais insculturadas, atentas às tradições e aos desafios locais. De facto, ‘as culturas são muito diferentes entre si e cada princípio geral (...), se quiser ser observado e aplicado, precisa de ser inculturado” (Papa Francisco, Amoris Laetitia: §3).